Por Rafael Knabben
Quando as manifestações contra o último aumento da tarifa de ônibus começaram algumas semanas atrás, o procedimento a ser adotado pela PolÃcia Militar de Santa Catarina (PM-SC) parecia bastante claro: um grande contingente de policiais a cercar, intimidar e neutralizar a massa de manifestantes, enquanto a truculência foi localizada, com agressões pontuais e prisões arbitrárias. O objetivo disso é claro, tornar o evento inócuo, sem reverberção, e desmobilizá-lo pelo medo. Dentro dessas circunstâncias, porém, o tenente-coronel Newton Ramlow conseguia ainda se sentir em condições de posar um discurso “democráticoâ€, de que a PM-SC “garantia o direito a livre expressão ao dar segurança aos manifestantes†(e vai que um carro vem do nada e os atropela, argumentou).
Mas no final da segunda semana de protesto os manifestantes, espontaneamente, começaram a se reunir em grupos menores, de 80 a 200 deles, e conseguiram causar mais reverberção que cinco mil juntos. Pega de surpresa, a PM-SC reagiu rapidamente, com mais prisões arbritárias e truculência generalizada contra um grupo bem menor de pessoas. Tornamo-nos familiarizados com o taser, com amigos detidos na 1 DP e, ironicamente, com as viaturas policiais sendo jogadas sobre nós, em alta velocidade, ameçando nos atropelar.
Tudo isso foi cristalizado na última segunda-feira, dia 31 de maio, num protesto ocorrido na UDESC. A questão não é mais neutralizar um grande contingente de manifestantes, mas de convencer através da violência e da arbitrariedade aqueles manifestantes que se reunem em centenas pela cidade de que a sua existência não é tolerada e que serão utilizados os meios que forem necessários para coibir os manifestantes de saÃrem à s ruas.
Os fatos que demonstraram isso na última segunda foram muitos, mas vou me concentrar em um em especial. Impedidos de fecharem a avenida em frente à universidade, os manifestantes resolveram se dirigir a UFSC pela calçada. O alvoroço dos policiais foi imediato, descendo das suas viaturas e impedindo o caminho do protesto… pela calçada. Infelizmente, não dá para argumentar com eles (“cara, é pela calçada que estamos indo!â€). Mas o surrealismo da situação ainda estava por vir, quando um grupo de cerca de quinze manifestantes resolveu atravessar a rua e prosseguir pela outra calçada. Mais alvoroço policial, tentando impedi-los. Um policial chegou a argumentar, “ei, vocês tem que cruzar pela faixa de pedestres!â€, enquanto tentava segurar as pessoas. Outro, porém, foi mais direto, e descarregou o seu taser num amigo meu até que ele fosse ao chão. A manifestação não podia mais seguir adiante, de nenhuma maneira, e os manifestantes não poderiam sair mais daquele cerco por quase duas horas. Cerceados daquele direito que a PM-SC adora usar para tentar legitimar as suas ações, o de ir e vir.
Dessa vez o tenente-coronel Newton Ramlow foi mais prático e contou para a RBS que não houve violência nessa noite, apenas foram utilizadas “táticas de intimidaçãoâ€. Chega-se, assim, ao ponto em que se fala abertamente em intimidar movimentos sociais. As imagens e os relatos de quem estava lá mostram bem a natureza dos procedimentos e do apuro técnico e democrático da PM-SC.
Na esteira dos fatos das últimas semana cabe não apenas denunciar e refletir a atuação imediata da polÃcia catarinense. O que temos diante de nós levanta questões que precisamos responder com ousadia e zelo. Pois, para começar, estamos diante de uma volta à “ditadura†e da destruição do Estado democrático de direito em Florianópolis ou da cristalização do fascismo latente desse Estado dito “democráticoâ€? O que podemos fazer para superar concretamente a situação de que estamos diante? O que queremos além de baixar as tarifas de ônibus, em que mundo queremos viver?
Não existem respostas fáceis para essas perguntas. Mas de uma coisa podemos estar certos, a linha que separa o estado de normalidade do estado de exceção em Santa Catarina, especificamente em Florianópolis, é bastante tênue, se é que ela existe.
Maio de 2010.
2 respostas a Caraca, onde estamos metidos? – Breve análise das manifestações contra o aumento de 2010