Caraca, onde estamos metidos? – Breve análise das manifestações contra o aumento de 2010

Por Rafael Knabben

Quando as manifestações contra o último aumento da tarifa de ônibus começaram algumas semanas atrás, o procedimento a ser adotado pela Polícia Militar de Santa Catarina (PM-SC) parecia bastante claro: um grande contingente de policiais a cercar, intimidar e neutralizar a massa de manifestantes, enquanto a truculência foi localizada, com agressões pontuais e prisões arbitrárias. O objetivo disso é claro, tornar o evento inócuo, sem reverberção, e desmobilizá-lo pelo medo. Dentro dessas circunstâncias, porém, o tenente-coronel Newton Ramlow conseguia ainda se sentir em condições de posar um discurso “democrático”, de que a PM-SC “garantia o direito a livre expressão ao dar segurança aos manifestantes” (e vai que um carro vem do nada e os atropela, argumentou).

Mas no final da segunda semana de protesto os manifestantes, espontaneamente, começaram a se reunir em grupos menores, de 80 a 200 deles, e conseguiram causar mais reverberção que cinco mil juntos. Pega de surpresa, a PM-SC reagiu rapidamente, com mais prisões arbritárias e truculência generalizada contra um grupo bem menor de pessoas. Tornamo-nos familiarizados com o taser, com amigos detidos na 1 DP e, ironicamente, com as viaturas policiais sendo jogadas sobre nós, em alta velocidade, ameçando nos atropelar.

Tudo isso foi cristalizado na última segunda-feira, dia 31 de maio, num protesto ocorrido na UDESC. A questão não é mais neutralizar um grande contingente de manifestantes, mas de convencer através da violência e da arbitrariedade aqueles manifestantes que se reunem em centenas pela cidade de que a sua existência não é tolerada e que serão utilizados os meios que forem necessários para coibir os manifestantes de saírem às ruas.

Os fatos que demonstraram isso na última segunda foram muitos, mas vou me concentrar em um em especial. Impedidos de fecharem a avenida em frente à universidade, os manifestantes resolveram se dirigir a UFSC pela calçada. O alvoroço dos policiais foi imediato, descendo das suas viaturas e impedindo o caminho do protesto… pela calçada. Infelizmente, não dá para argumentar com eles (“cara, é pela calçada que estamos indo!”). Mas o surrealismo da situação ainda estava por vir, quando um grupo de cerca de quinze manifestantes resolveu atravessar a rua e prosseguir pela outra calçada. Mais alvoroço policial, tentando impedi-los. Um policial chegou a argumentar, “ei, vocês tem que cruzar pela faixa de pedestres!”, enquanto tentava segurar as pessoas. Outro, porém, foi mais direto, e descarregou o seu taser num amigo meu até que ele fosse ao chão. A manifestação não podia mais seguir adiante, de nenhuma maneira, e os manifestantes não poderiam sair mais daquele cerco por quase duas horas. Cerceados daquele direito que a PM-SC adora usar para tentar legitimar as suas ações, o de ir e vir.

Dessa vez o tenente-coronel Newton Ramlow foi mais prático e contou para a RBS que não houve violência nessa noite, apenas foram utilizadas “táticas de intimidação”. Chega-se, assim, ao ponto em que se fala abertamente em intimidar movimentos sociais. As imagens e os relatos de quem estava lá mostram bem a natureza dos procedimentos e do apuro técnico e democrático da PM-SC.

Na esteira dos fatos das últimas semana cabe não apenas denunciar e refletir a atuação imediata da polícia catarinense. O que temos diante de nós levanta questões que precisamos responder com ousadia e zelo. Pois, para começar, estamos diante de uma volta à “ditadura” e da destruição do Estado democrático de direito em Florianópolis ou da cristalização do fascismo latente desse Estado dito “democrático”? O que podemos fazer para superar concretamente a situação de que estamos diante? O que queremos além de baixar as tarifas de ônibus, em que mundo queremos viver?

Não existem respostas fáceis para essas perguntas. Mas de uma coisa podemos estar certos, a linha que separa o estado de normalidade do estado de exceção em Santa Catarina, especificamente em Florianópolis, é bastante tênue, se é que ela existe.

Maio de 2010.

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